RELATÓRIO FINAL PEC 32: PERIGOS E ARMADILHAS
Os assessores jurídicos do Fonacate e da Frente Servir Brasil analisaram o relatório final do deputado Arthur Maia (DEM/BA) e destacaram pontos perigosos que podem prejudicar os servidores e comprometer o serviço público oferecido à população. Veja abaixo os trechos que merecem especial atenção:
– ESTABILIDADE PARA TODOS, MAS NA PRÁTICA REALIDADE SERÁ OUTRA
Pelo texto do relator, em tese, todos os servidores públicos podem ter estabilidade, e não apenas os que desempenham atividades exclusivas de Estado. Porém, como União, Estados e Municípios poderão contratar servidores temporários de forma ilimitada (sem percentual máximo definido) e sem restrições de atividades (salvo aquelas exclusivas de Estado), na prática, a maioria dos servidores, em especial da saúde e educação, serão temporários e, portanto, não terão estabilidade. Caberá aos Estados e Municípios definir, em lei própria, quais as atividades poderão ser objeto de contratação temporária.
– CONCURSO NÃO ACABOU, MAS VIRA RARIDADE: SELEÇÃO SIMPLIFICADA SE TORNA A REGRA
A PEC autoriza 3 três tipos de contratação:
- direta e sem seleção, para calamidades públicas, emergências e paralisação de atividades essenciais;
- por seleção simplificada, para servidores temporários, sem limite percentual, e por até 10 anos;
- por concurso público, para servidores efetivos
Sem limites para contratação temporária, salvo para atividades exclusivas de Estado, e com contratos de até 10 anos, a realidade é que não há qualquer incentivo para a realização de concursos públicos. Os servidores admitidos serão, em sua maioria, temporários selecionados sem concurso público e não terão estabilidade.
O relator da PEC 32 na Comissão Especial, Arthur Maia (DEM/BA), declarou que haveria estabilidade inclusive para os temporários, porém no documento final esse ponto não está previsto. Portanto, os temporários poderão ser demitidos arbitrariamente, uma vez que não há no texto qualquer garantia de que a dispensa estaria vinculada à insuficiência de desempenho.
– TERCEIRIZAÇÃO IRRESTRITA E IMEDIATA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS POR INSTRUMENTOS DE COOPERAÇÃO (art. 37-A)
União, Estados e Municípios poderão legislar livremente sobre a terceirização dos serviços públicos, até que haja uma lei federal com normas gerais, o que pode provocar um caos jurídico.
A entrega dos serviços públicos básicos a inúmeros e diversos entes privados autônomos, com gestão própria e desvinculada, fragmenta o SUS e o ensino público brasileiro.
Hoje, a Constituição autoriza a participação complementar da iniciativa privada na saúde e na educação, com destinação de recursos públicos apenas para entidades filantrópicas e sem fins lucrativos. A PEC 32 libera a mercantilização irrestrita, com a participação livre de empresas, com fins lucrativos.
Atividades Exclusivas de Estado
A alteração prevista no inciso IX do Art. 37 da Constituição define atribuições próprias de servidores em cargos exclusivos de Estado. Entre elas, a de “manutenção da ordem tributária e financeira ou ao exercício de atividades de regulação, de fiscalização e de controle”. Após mais de 20 anos lutando pela definição de carreiras típicas de Estado, esse é um passo importante, ainda que a redação não seja definitiva, estando sujeita a emendas.
Porém, é importante ressaltar que essa definição das atividades de Estado deveria estar num inciso independente que trataria das garantias especiais para esses servidores. Alocar essa definição junto ao inciso que trata das contratações por tempo determinado pode criar um ponto de divergência com outras carreiras que ficam sujeitas aos contratos temporários.
Outro ponto importante diz respeito à avaliação de desempenho que deveria ser regulamentada por meio de lei complementar evitando mudanças via medidas provisórias dando assim mais segurança aos servidores.
A modificação e extinção de cargos também deveriam passar por um processo legislativo para que haja garantias de que os servidores mantenham a independência no exercício de suas funções e não sofram perseguição política.
– PRESIDENTE CONTINUA COM SUPERPODERES
Embora alguns pontos tenham sido retirados – como a extinção de ministérios e órgãos, alterações de cargos e carreiras por decreto -, o Presidente poderá editar medida provisória para:
- regulamentar a avaliação de desempenho, que balizará a demissão do servidor público estável;
- extinguir cargos por obsolescência e falta de necessidade, para desligar servidores estáveis. Os servidores dispensados receberão apenas uma indenização (1 mês de salário por ano de serviço), sem quaisquer outros direitos que empregados privados receberiam.
– SEM REGRA DE TRANSIÇÃO PARA FIM DE DIREITOS, COMO QUINQUÊNIOS E ANUÊNIOS
Não há regra de transição, na medida em que permite que a simples alteração ou revogação de leis tire direitos dos atuais servidores, como os quinquênios e anuênios. Direitos previstos em atos infralegais também caem 2 anos.
– CORTES NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO
Autoriza a redução de jornada e de remuneração em até 25% dos futuros servidores. Como as atividades exclusivas de Estado não poderão ser cortadas, a conta cairá sobre saúde e educação, serviços públicos priorizados pela Constituição.
– CONTINUA A DEMISSÃO POR DECISÃO NÃO TRANSITADA EM JULGADO
Não foi tirado do texto a previsão de que servidores poderão ser demitidos por decisão não transitada em julgado, o que viola a presunção de inocência e provoca insegurança jurídica, já que a decisão poderá ser revertida mais à frente.